sexta-feira, 17 de março de 2017

Só as ruas salvam a Operação Lava Jato

Por Elio Gaspari.


Só a rua salva a Operação Lava Jato da pizza
No seu depoimento ao juiz Sergio Moro, Emílio Odebrecht soltou uma palavra que reflete a ansiedade da oligarquia nacional diante da Lava Jato. Discutia-se a identidade do "Italiano" das planilhas de capilés do empreiteiro e ele esclareceu que o apelido é muito comum, mas era possível que se referisse também ao "nosso Palocci". O uso do "nosso" não indica propriedade, mas apenas familiaridade.

É enorme a admiração de Odebrecht pelo doutor Antonio, ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma Rousseff. Em poucos minutos doou-lhe nove adjetivos, entre eles "inteligente", "bem informado", "homem de visão de estadista".

A lista da Procuradoria-Geral da República contém os beneficiários de capilés da "nossa" Odebrecht. Empresários de todos os calibres, políticos de todos os grandes partidos, os três ex-presidentes vivos e pelo menos dois ministros do Supremo Tribunal Federal formaram um coro destinado a embaralhar a discussão dos capilés. Caixa dois seria uma coisa, propina seria outra, dinheiro embolsado seria uma coisa, dinheiro gasto na campanha, bem outra. Jurisconsulto de renome, o doutor Gilmar Mendes fica devendo uma tabelinha capaz de diferenciar urubu de carcará.

A principal estridência desse coro ocorre quando se vê que se planeja uma anistia para delinquentes que se recusam a confessar. Todos operam no caixa dois, diz o coro, mas eu nunca operei, responde cada um dos cantores.



A Lava Jato foi na jugular da oligarquia politica e de boa parte da oligarquia empresarial do país. (Está na memória nacional o pato amarelo que ficava diante da Fiesp, do "nosso" Paulo Skaf, mencionado em colaborações da Odebrecht como receptáculo de R$ 6 milhões.) Ferida, essa oligarquia joga com o tempo, com as peças de Brasília e com o cansaço da choldra. Afinal, um dia a Lava Jato haverá de ser um assunto chato, se já não é.

A grande pizza começa a ser assada fabricando-se um tipo de anistia parlamentar e/ou judiciária para o caixa dois. Em seguida as propinas virarão caixa dois e estamos conversados.

Mas isso não pode ser tudo. Se o caixa dois é uma anomalia da contabilidade das campanhas eleitorais, deve-se criar um novo modelo. Qual? O do financiamento público.

Como dizia Renato Aragão, você da poltrona que já paga impostos para receber (se receber) obras superfaturadas pagará as campanhas eleitorais dos candidatos que mordem as empresas para botar ou tirar jabutis de Medidas Provisórias.

Parece maluquice, mas já desengavetaram um corolário do financiamento público: o voto de lista. Assim, o sujeito paga pela obra superfaturada, financia a campanha dos candidatos e ainda perde o direito de votar em quem quer. (Pelo sistema atual o sujeito votava em Delfim Netto e elegia Michel Temer, mas indiscutivelmente votara em Delfim, não em Temer.) Junte-se a isso que nenhum dos listados pela Procuradoria Geral irá a julgamento em menos de quatro anos.

Só a rua pode evitar que assem a pizza. Não é coisa fácil, pois uma parte da turma do "Fora Temer" tem o pé esquerdo na "nossa" Odebrecht e parte do coro do "Fica Temer", tem o pé direito. Sem a rua, a oligarquia unida jamais será vencida. Ela fez esse milagre no século 19 e o Brasil foi o último país independente das Américas a acabar com a escravidão.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Os idos de março: prudência ou covardia?

Por Leandro Kamal.


Os idos de março: prudência é covardia?
Júlio César chegou ao cume por ser destemido. Foi assassinado pelo mesmo motivo.
Um adivinho havia dito: cuidado com os idos de março! Os meses começavam com a lua nova, as calendas, de onde deriva nossa palavra calendário. No meio do mês assinalavam-se os idos. O general ignorou a advertência e também fez ouvidos de mercador ao sonho ruim da esposa. Os sonhos eram um depósito de verdades cifradas, como aconteceu, depois, com a mulher de Pilatos. Calpúrnia estava correta e seu marido deveria ter ouvido. Um senador presente à casa dela ironizou a crença mágica. Júlio César compareceu ao Senado e lá foi assassinado, a 15 de março do ano 44 a.C. O mais famoso atentado político da história mudou o destino de Roma. 



A morte de César levaria a uma nova guerra civil e dela emergiria, lentamente, seu sobrinho-neto: Otávio, futuro Augusto. O tio-avô foi assassinado pouco antes de completar 56 anos. Otávio tinha apenas 19 anos quando as punhaladas ocorreram. No futuro, os meses nos quais nasceram Júlio César e Augusto teriam os nomes mudados para julho e agosto. De onde saíram esses dias? Do sacrificado fevereiro, cada vez mais nanico e exótico diante dos outros 11 companheiros. Tem de tirar? Tira de fevereiro! Tem de enxertar? Coloca o bissexto em fevereiro. Literalmente, nasci num mês alvo de bullying de calendário.

Voltemos ao leito da História. César teve indicativos claros de que havia um complô. Foi informado várias vezes antes do sonho de sua terceira esposa. Marco Antônio ficara temeroso. É provável que o sucesso seja o pior conselheiro de todos. A carreira do militar tinha sido marcada pela coragem. Ele avançou e chegou ao ponto em que estava porque havia sido ousado e enfrentara o medo e os detratores. Assim fora na longa campanha da conquista da Gália. Fosse prudente e Vercingétorix estaria vivo e com poder. Imortalizou a frase “a sorte está lançada” ao cruzar o rio proibido e avançar com tropa sobre Roma, ignorando um tabu jurídico. Tinha conquistado uma aliança com a improvável Cleópatra e gerado um filho no ventre da rainha greco-egípcia. Tinha enfrentado Pompeu e Crasso, membros astutos e mais ricos do seu Triunvirato. Sobrevivera porque era intimorato e não fazia o que os outros esperavam. Era um líder mirando além do horizonte. 



A atitude de César contém a semente da ousadia de toda liderança forte. Fora assim Alexandre, o Grande. Seria assim com Napoleão. Não haveria a derrota dos persas pelas tropas do macedônio ou o fracasso das forças austro-russas diante do corso se houvesse medo, prudência ou fidelidade à matemática dos exércitos. O líder pula essa parte, ousa, enfrenta o risco e segue. Considerações racionais formam o bom escriturário. Ousadia cria Césares, Alexandres e Napoleões. 

Ora, a coragem que seria louvada tanto tempo depois costuma levar a uma sequela permanente: a cegueira, filha legítima e direta da confiança. César mirou num controle do mundo a partir do seu trono de ouro no Senado. Olhou tão alto que desconsiderou as heras venenosas que lançavam gavinhas minúsculas sob seus pés. Descortinava a glória eterna e desconsiderava a inveja doméstica. Alexandre imaginou que todo o seu exército teria o entusiasmo que ele tinha para conquistar além. Ele estava comprometido com a eternidade, seus soldados com o soldo, a comida e as famílias saudosas. Napoleão saiu de Elba supondo que o mundo seria seu como sempre fora. Há o risco de Waterloo para toda vitória. O drama é que o líder vai criando confiança em vitórias precedentes e supõe que o medo seja coisa de derrotados. Foi o argumento de Hitler contra os generais: vocês diziam que não era hora de atacar a França e eu ataquei e fui vitorioso. Agora dizem que não se deve atacar a URSS e eu irei atacar! Bem, os generais erraram na França e acertaram na URSS. A decisão foi um desastre absoluto e o início da derrocada do Terceiro Reich.



Parece que a vida deveria ter duas personagens distintas. No campo empresarial, uma seria aquela que constrói o patrimônio, outra, aquela que, após o sucesso, usufrua dele. Geralmente, o mesmo espírito de acúmulo e prudência que marca a construção das fortunas impede que o fundador faça pleno uso dela. Gastar será tarefa dos filhos, noras e genros. O mesmo ocorre com generais vitoriosos. Conquistam confiança e acertam muitas vezes. Vão perdendo o medo, um conselheiro fundamental, e ousando cada vez mais até que recebem punhaladas do destino ou dos assessores. O problema de estar num posto elevado é que as pessoas só dizem o que se deseja ouvir.

Júlio César, o ousado, chegou ao cume porque era destemido. Foi assassinado pelo mesmo motivo. Ouvir ou ignorar a fraqueza? Como saber em que momento a prudência se torna covardia? Qual a linha que separa o justo temor da fraqueza? Se você tem essa dúvida, parabéns. Os que não tiveram erraram bastante. Entre a prudente estratégia de Dédalo de voar baixo e o enfoque inovador-kamikaze de Ícaro, temos de construir vidas bem mais pacatas. Quem aqui teria sangue de heróis? Boa semana a todos.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Vossos Filhos Não São Vossos Filhos.

 Vossos Filhos Não São Vossos Filhos.
Khalil Gibran



Sugestão de Carlos Alberto Michelli

Vossos filhos não são vossos filhos.

São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.

Vêm através de vós, mas não de vós.

E embora vivam convosco, não vos pertencem.

Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.

Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:

Pois assim como ele ama a flecha que voa, Ama também o arco que permanece estável.